Não é novidade para ninguém que a pandemia contribuiu para o aumento de doenças mentais, como depressão e ansiedade. Mas um número crescente de estudos mostra que a Covid-19 em si é outro fator que amplia o risco de aparecimento dessas doenças. A mais recente evidência sobre o assunto é um trabalho feito nos EUA com base em registros de saúde de cerca de 154 mil pacientes com Covid-19.
Os resultados, publicados na revista BMJ, na última quarta-feira, mostraram que até um ano após a infecção, essas pessoas correm um risco aumentado de serem diagnosticadas com transtornos psiquiátricos. Estudo anterior, realizado pela USP, já havia apresentado resultados semelhantes em pacientes recuperados de quadros moderados e graves.
A grande novidade é que em conjunto com essas análises, começam a surgir estudos que mostram que o risco aumentado desses problemas em pacientes recuperados da doença está associado ao efeito do vírus em si. Não apenas a fatores psicológicos e ambientais que podem ter impactado as pessoas com Covid, como stress, desemprego, problemas financeiros, isolamento social, trauma, luto, mudanças na dieta e na atividade física.
O médico Rodolfo Damiano, residente do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (IPq) e primeiro autor do artigo brasileiro, explica que todas as infecções agudas têm impacto na cognição e na saúde mental.
— Mas não na magnitude observada na infecção pelo Sars-CoV-2 — afirma Damiano.
No estudo americano, os pesquisadores analisaram bancos de dados nacionais de saúde do Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA. No total foram incluídos 153.848 indivíduos que foram contaminados. Eles foram comparados com um grupo similiar de pessoas que não contraiu a doença. Os participantes tinham, em média, 63 anos de idade e não estavam em tratamento nem haviam sido diagnosticados com problemas de saúde mental nos dois anos anteriores à análise.
Os resultados mostraram que as pessoas que tiveram Covid eram 39% mais propensas a serem diagnosticadas com depressão e tinham uma probabilidade 35% maior de ansiedade nos meses seguintes à infecção, em comparação com pessoas que não foram infectadas. Aqueles recuperados da doença também eram 38% mais propensos a recebrem diagnóstico de transtorno de adaptação e corriam um risco 41% maior de apresentar distúrbios do sono.
Os pesquisadores também descobriram que os pacientes com Covid eram 80% mais propensos a desenvolver problemas cognitivos como “névoa cerebral”, confusão mental e esquecimento. Eles ainda tinham uma propensão 34% maior de desenvolver distúrbios por uso de opióides e 20% mais propensos a desenvolver distúrbios por uso de substâncias não opióides, incluindo alcoolismo.
Depois da Covid-19, as pessoas também tinham uma probabilidade 55% maior de tomar antidepressivos e 65% maior de utilizar medicamentos anti-ansiedade. O estudo revelou que o risco de desenvolver esses problemas foi maior para pacientes que foram hospitalizados, mas os pesquisadores alertam que pessoas com quadros leves também correm um risco aumentado, em comparação com aqueles que não foram infectadas.
Os dados não indicam que a maioria dos pacientes recuperados da Covid-19 irá desenvolver transtornos de saúde mental, então não há motivo para pânico. No estudo americano, apenas 4,4% a 5,6% dos participantes foram diagnosticados com depressão, ansiedade ou estresse e transtornos de adaptação No estudo da USP, 8,14% dos pacientes desenvolveram transtorno de ansiedade após a doença e 2,5%, depressão.
Entretanto, Damiano ressalta que em termos de saúde pública e números absolutos, uma pequena taxa de pacientes já representa um grande fardo.
O Globo