A obra da engorda de Ponta Negra voltou à discussão pública nesta semana, após a draga contratada pela prefeitura deixar Natal após menos de 10 dias da chegada na capital potiguar, já que não tinha autorização para iniciar o serviço.
O Município solicitou a licença de instalação ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) no dia 12 de junho, e o órgão estadual têm 120 dias para analisar a documento. Ou seja, até outubro para conceder ou não a autorização.
📳Participe do canal do g1 RN no WhatsApp
Nesta semana, a sede do Idema acabou sendo alvo de uma ocupação de manifestantes – entre eles, o prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos) – que cobravam que a autorização fosse concedida de maneira imediata.
O g1 RN já explicou, em outros momentos, que a engorda pretende alargar a faixa de areia da praia de Ponta Negra, e como essa obra vai ser executada.
Mas quais o impactos que essa obra pode causar? A engorda é uma obra definitiva? E há riscos, por exemplo, de aparecimento de tubarões ou de aumento no número afogamentos?
Para tirar essas dúvidas, a Inter TV Cabugi e o g1 RN consultaram o geólogo Venerando Eustáquio Amaro, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DECUFRN) e doutor em Ciências (Recursos Minerais, Hidrogeologia e Sensoriamento Remoto) pela Université de Lyon II (França)/Universidade de São Paulo.
Veja abaixo tópicos da entrevista:
O projeto prevê que a obra de engorda possibilite que Ponta Negra fique com uma faixa de areia de até 100 metros na maré baixa. Para o professor, é importante pontuar, em relação a uma engorda, que a obra “também é uma forma de você ter uma defesa costeira contra a ação, sobretudo, das ondas”.
“Isso tem sido motivo de estudo, porque nós temos percebido que, com a emergência climática, com as mudanças climáticas, nós temos enfrentado uma intensificação da energia dessas ondas que chegam até as linhas de costa em todo o mundo, basicamente”, explicou o professor.
Segundo ele, a possibilidade da realização da obra de engorda ganhou força em 2012, quando uma ação do mar destruiu parte do calçadão na praia de Ponta Negra.
“A engorda era uma possibilidade aventada naquele momento, até porque já se sabe que havia uma perda paulatina, constante, no volume de areia da praia. Ou seja, o natalense já não estava mais tendo acesso a um setor de areia seca durante o período de maré mais alta”, lembrou.
LEIA TAMBÉM
Segundo o geólogo Venerando Amaro, “nenhuma obra costeira pode ter o caráter definitivo”, já que as condicionantes dessa obra – como as ondas cada vez mais energéticas, a transformação do clima na zona costeira e a influência de chuvas extremas – têm feito transformações cada vez mais constantes no litoral.
“Ela tem que ser feita e construída de tal maneira a ter um tempo de residência no local maior, e é por isso que os estudos são obrigatórios, eles precisam ser bem avaliados, e elas precisam passar por um processo de manutenção contínuo, avaliação contínua da sua ação de defesa”, disse.
O geólogo explica que a obra da engorda é conhecida como uma obra de ação flexível, “porque ela vai se moldando ao longo do tempo ao ambiente”.
“Outras obras, como enrocamente, muros de contenção, são consideradas rígidas. E mesmo elas precisam de uma avaliação constante, exatamente porque as energias que atuam sobre essas obras vão sendo alteradas com o tempo. E sobretudo nas condicionantes que nós temos hoje de mudanças climáticas”.
Segundo o geólogo, com a obra, a praia será “redesenhada”. “Nós não teremos mais a praia de Ponta Negra como nós a conhecemos nesse momento. Ela vai ser engordada. Nós vamos ter um outro perfil de praia, uma outra conformação dessa praia. Obviamente, com o tempo, essa praia vai se ajustar as condições oceanográficas, às condições de maré, de onda, de correntes que vão atuar sobre ela.. Então é muito provável que haja uma transformação”, disse.
O professor explicou que é possível, que inicialmente haja “alguns declives mais acentuados” e que “é muito importante que a população fique atenta a essas questões”.
“E, no futuro, é muito importante que se saiba que essa praia vai se ajustar. E que uma manutenção dessa engorda vai ser necessária. Nós vamos ter que passar, a partir do momento da engorda, muito tempo fazendo toda a manutenção desse contexto. E a população sendo informada sobre as características que cada momento dessa praia vai assumir em função dessa energia que nós encontramos na zona costeira”, reforçou.
Segundo o professor, essa questão passou a ser mais levantada após o aterro feito em Balneário Camboriú (SC), que resultou no aparecimento de tubarões que não eram vistos na orla. Segundo ele, é importante reforçar que o litoral potiguar e o catarinense “são ambientes completamente diferentes”.
“A fauna tem um comportamente completamente diferente. Inclusive Natal é completamente diferente de Recife, e nós temos uma outra dimensão de espaços”, pontou.
Apesar disso, ele explicou que ao realizar a remoção de sedimentos do fundo do oceano, como será feito em Areia Preta, para a obra de Ponta Negra, se realiza uma transformação, já que há uma suspensão de matéria orgânica, de nutrientes e uma reorganização da fauna.
“É possível que nós tenhamos, em alguns momentos, algum tipo de anomalia dentro desse contexto de observação de espécie diferentes que se aproximam mais da costa”, disse.
“Mas isso é muito provável que no futuro entre num equilíbrio dinâmico com a própria transformação que a praia vai sofrer. Mas é importante que a gente perceba que nada vai ser semelhante ao que acontece em outros setores”, disse.
Ao mexer nos sedimentos, ele explica, toda a cadeia alimentícia no contexto daquela praia, vai ser alterado, sobretudo relacionado ao pescado, que “também vai sofrer por um tempo uma reorganização”.
“O tempo que isso vai durar é alguma coisa que nós não podemos prever, porque a praia vai sofrer essas transformações e toda uma reorganização desse ambiente vai acontecer. Então, nós vamos ter, sim, impactos. Esses impactos podem durar um tempo mais curto, mas também podem ser impactos mais longos”, afirmou.
Segundo o professor, a praia de Ponta Negra será outra caso seja realizada a obra da engorda. “O natalense hoje está imaginando que nós teremos uma praia exatamente como nós a conhecíamos. Isso é muito impossível, basicamente, de acontecer”, explicou.
Segundo ele, á um redesenho da costa, e o projeto executivo “vai determinar qual vai ser a extensão exata das áreas emersas e como ela vai se comportar ao longo das ações de maré”.
Fonte: g1 RN